Reportagem - Brio e Profissionalismo

06-03-2011 19:56

Reportagem

Estrela da Amadora. Hoje é o primeiro jogo do resto da vida deles 

por Rui Pedro Silva, Publicado em 05 de Março de 2011   
 
 
O administrador de insolvência, Paulo Sá Cardoso, afirmou que o clube fechava a 28 de Fevereiro, mas a boa vontade de alguns sócios e pais de jogadores faz com que as várias equipas joguem até final da época. No último sábado, o i acompanhou a equipa de juniores
 
"Ser tudo o que podemos ser. Porque não?" A publicidade a uma marca de azeite na paragem de autocarro junto à entrada do estádio é o espelho do clube. Durante a semana, as palavras de Paulo Sá Cardoso, o administrador de insolvência do Estrela da Amadora, caíram como uma bomba nos vários escalões do clube da Reboleira. O clube ia fechar. A partir de 1 de Março, o Estrela ia deixar de ser conhecido como até então. Seria o fim de um clube que em tempos venceu uma Taça de Portugal e disputou competições europeias.

 


Tudo seria diferente, mas a 26 de Fevereiro, dois dias antes do fim anunciado, a equipa de juniores tinha um jogo. E, por vontade de alguns sócios e pais de alguns jogadores, não seria o último. A possibilidade era adiantada ao i pelo próprio Paulo Sá Cardoso: "Deixa de haver dinheiro, mas sei que há algumas equipas que estão a reunir apoios para continuar a competir até ao fim da época." A equipa de juniores não era excepção: estavam a ser tudo o que podiam ser. Porque não? A descida de divisão estava consumada, mas o orgulho está em jogo semana após semana. "É assim que se motiva uma equipa que tem vivido nesta situação. Temos de nos concentrar em nós mesmos, temos de ter brio individual, porque a vida não acaba aqui. Só temos a ganhar, especialmente os jogadores, se dermos uma boa imagem", afirmou o treinador, Pedro Silva, o quinto da época. Entre propostas de outros clubes a desistências, o também funcionário do Estrela da Amadora pegou numa equipa que em 23 jogos conseguiu apenas um empate.

Nesta tarde tudo era diferente. Era o último jogo antes do tal fim anunciado e do outro lado estava o Real, um clube rival e para onde tinham saído vários jogadores do Estrela no início da época. Ricardo Monsanto, treinador da equipa de Massamá, garantia antes do jogo que defrontar uma equipa à beira do fim e com apenas um ponto não mudava nada: "Temos o mesmo respeito pelo Estrela que temos por outras equipas. Não foi difícil motivar os nossos jogadores porque nos últimos jogos conseguimos criar uma dinâmica de vitórias e é isso que queremos continuar aqui."

A resposta do Estrela da Amadora ia ser dada dentro de campo. Enquanto o jogo se desenrolava, cá fora, nas bancadas que outrora vibraram com um golo do guarda-redes Hubart, que viram Mourinho e Jesus no banco de suplentes ou Chalana, Paulo Bento e Abel Xavier na equipa, falava-se do passado e do futuro do clube. Uns apontavam o nome a antigos presidentes, outros lembravam os grandes nomes que tinham passado por lá. "No outro dia, na televisão, estava o Jorge Andrade. Quando lhe perguntaram o clube respondeu o Estrela da Amadora", disparava um. Entretanto, outro jornalista chegou e a conversa subiu de tom: "Escreva aí que eu fiz mais quilómetros atrás do Estrela do que da minha família. Cheguei a ir a Braga com a minha mulher e não estava lá mais ninguém."

Dentro de campo, o Estrela tinha acabado de empatar de penálti. Por momentos, a alegria sentida expulsava a angústia de um futuro incerto. "Ó fiscal, marque lá mais um penálti para o Estrela da Amadora, não custa nada!", pedia um adepto em tom de brincadeira e com boa disposição. Dentro de campo, o árbitro assistente parecia um membro da Guarda Real Britânica: não sorriu nem pestanejou. E o jogo continuou. O Real jogava com menos um e o Estrela da Amadora estava melhor. Tinha problemas nos lances de bola parada, mas quanto atacava trocava bem a bola e conseguia criar lances de perigo. Do lado de cá, nas bancadas, as conversas continuavam. Os adeptos do Real tentavam inteirar-se do futuro do clube. Já Dimas, antigo internacional português e ex-jogador do Estrela da Amadora (1990 a 1992), permanecia compenetrado e não reagia ao principal tema de conversa.

Sacrifícios Com o jogo a aproximar-se do fim apareceram os primeiros sacrifícios. Os escalões treinam todos no relvado principal e por uma questão de gestão reduziram a carga semanal a dois treinos. O cansaço apoderou-se dos jogadores e as cãibras começaram a aparecer. O jogo partiu e, apesar das muitas oportunidades para chegar à vitória, o melhor que o Estrela conseguiu foi o empate.

"É sempre assim", revela Pedro Silva. "Somos uma equipa que joga sempre com muita vontade, mas treinar duas vezes por semana não ajuda. Hoje não houve nenhuma atitude especial por tudo o que se tem falado, é assim que jogamos. Muitas vezes os adversários perguntam-nos como é que podemos ter só um ponto se jogamos assim", acrescentou, dizendo ainda que nunca houve um comportamento incorrecto do adversário por causa da situação do clube. Diogo Calado, treinador-adjunto, admite no entanto que por vezes é difícil evitar um certo desdém. "Alguns dos jogadores andam na escola com adversários e é natural que surja um ou outro comentário. Às vezes até mesmo aqui no Estrela com os miúdos de outros escalões. São mais novos e às vezes têm comentários mais cruéis, mas são sempre casos isolados", explica.

É apenas uma das muitas dificuldades. O futuro continua incerto. Hoje a equipa joga na Madeira frente ao Nacional, numa deslocação que foi garantida com a ajuda de alguns pais. "A Federação cobre estes jogos, mas o clube tem de adiantar uma verba que ronda os 800 euros. É um problema porque somos nós que temos de fazer esse adiantamento e a Federação ainda demora algum tempo a pagar. Algo que agora seria completamente impossível se não fosse a ajuda de alguns", explica o treinador Pedro Silva, que se mostra mais optimista para os três jogos restantes (jogos em casa com Marítimo e Nacional e uma deslocação ao terreno do Real). O Estrela da Amadora, como era conhecido, deixou de existir, mas o espírito mantém-se e já se fala num renascimento. É o que diz Diogo Calado: "O Salgueiros acabou e apareceu o Salgueiros 08. Porque é que nós não podemos ser o Estrela 2011?" Para já, continuam a ser tudo o que podem ser.
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